Reflexão

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Você está disposto?

Muitas pessoas acreditam que o chamado missionário se dá apenas a levar a palavra de Deus e viver para ele, realmente não estão errados. Mas, o que essas pessoas se esquecem é que fazer isso requer total disposição do mesmo a sofrer pelas almas por amor a Cristo...esse é o verdadeiro sentido, está disposto a tudo por amor ao evangelho.
Foi assim que o Jovem Aurélio Edgar Gonçalves Brito, 27 anos decidiu não se importar com as consequencias que sofreria por amor as almas. Ele estava no Timor-Leste há dois anos, atuava como voluntário da Igreja Assembléia de Deus no projeto “Vida Nova”. O missionário se dedicava à alfabetização de crianças e adultos nas aldeias timorenses e à evangelização e pregação da Palavra de Deus. Porém, no dia 19 de dezembro de 2006, quando ele se dirigia com sua irmã voltando de um culto. Foi atingido no pescoço por uma lança e morreu ao volante, antes mesmo de chegar ao hospital.

Em entrevista sua irmã, Elisama Gonçalves, conta fatos da vida missionária dos dois.
Após a morte de seu irmão, houve alguma modificação no significado de “Missões” para você? Você passou a ver “Missões” de forma diferente?
Elisama: Para mim, Missões sempre esteve ligado à palavra “renúncia”. Eu sempre soube que Missões era sacrifício, era dar, deixar, perder e abrir mão de algumas coisas... É claro que a morte do meu irmão será um divisor de águas na minha vida. Vai ser Elisama antes e Elisama depois. Mas o conceito de Missões para mim não muda. Eu não esperava que isso fosse acontecer, nunca imaginei que custasse a vida de um de nós dois no Campo Missionário. Mas, mesmo assim, inconscientemente, já havia esta possibilidade, porque a partir do momento que você está disposto a servir a um povo que você não conhece, já estamos cientes de que pode haver alguns riscos, mas não imaginava que fosse o risco de morte... Missões é isso, é preço a pagar, é o que Cristo fez. É a identificação de tudo que Cristo fez na Cruz do Calvário por nós e nós fazemos agora – que é estar disposto a qualquer coisa por amor a um povo em Cristo.
Você disse na resposta anterior: “Elisama antes e Elisama depois”. O que significa esse “Elisama depois”?
Elisama: Vai nascer outra Elisama, aliás, está nascendo. Desse “vaso de lágrimas” da minha vida acho que vai sair algo melhor. (risos) Eu tenho certeza disso, porque depois de passar por tudo o que eu passei, já estou adquirindo as marcas de Cristo mais profundas na minha vida. Meu sofrimento está muito ligado a querer ter a pessoa presente ao meu lado novamente. Mas depois de tudo, veio algo ao meu coração. Nós temos certeza que é bom estar com Deus, participarmos da sua presença aqui na Terra. Mas por que sentimos tanto quando uma pessoa vai viver a plenitude? Eu passei a pensar nisso depois da morte do Edgar. Por que sofremos tanto? Será que não é porque estamos presos, mesmo que seja com o nosso ministério, com as coisas seculares, com aquilo que fazemos, com as pessoas aqui na Terra. Isso me faz pensar que precisamos estar desprendidos e mais preparados para a nossa Casa Celestial! Se o assunto fosse abordado por nós com freqüência, as perdas seriam menos dolorosas.
Sei que é difícil falar sobre isso, mas como ocorreu a morte de Edgar?
Elisama: O sábado, 18 de novembro de 2006, foi um dia normal em que trabalhamos. E, na madrugada, o telefone tocou. Eu atendi ao celular, pois o mesmo estava no meu quarto. Era uma mulher chorando do outro lado da linha dizendo que a irmã dela estava morrendo, tendo uma hemorragia e estava grávida de 8 meses. Elas estavam localizadas em uma parte muito perigosa da cidade. Eu olhei o relógio, faltavam mais ou menos uns 15 minutos para as duas horas da manhã. Fiquei preocupada com o horário, mas, mesmo assim, eu fui até ao quarto do meu irmão, e quando o chamei lhe contei o que estava acontecendo e ele só sorriu. E eu não perguntei mais nada para ele, porque três meses antes, no dia 27 de agosto de 2006, dia do aniversário dele, uma das casas de missionárias amigas nossas foi cercada por timorenses. Ela ligou para o Edgar quando nós já estávamos à mesa comemorando com alguns colegas. Ele simplesmente levantou e foi socorrê-la. Era a missionária Isabel, o Pastor Durval e a Kátia. Eu disse para ele: “Edgar, você é apenas um, você não pode tirá-los de lá. Pois lá é muito perigoso. Pelo amor de Deus, não vá!”. Ele virou para mim e disse: “'Sama', para que nós viemos aqui? Se nós não viemos aqui dispostos a morrer por amor, se eu não estou disposto a deixar um almoço para socorrer uma pessoa que está em perigo, então não vale a pena essa missão. Só vale a pena, se você não me impedir de fazer o que está em meu coração”. Então, o meu irmão, junto a um colega, tirou os missionários de lá de carro, os deixando em local seguro.
Por isso, quando ele só sorriu para mim naquela madrugada, eu sabia que a resposta dele seria “sim”. Nós a levamos ao hospital por volta das 3h30. Interessante que nós passamos no local onde o meu irmão seria atingido naquele mesmo dia e não havia nada. À tarde, o Edgar foi para uma reunião de intercessão missionária e eu fui ao hospital fazer companhia à mulher que socorremos. Encontramos-nos às 18h e ele me perguntou se eu havia marcado a minha passagem para o Brasil e quanto tempo eu ficaria aqui. Ele disse que eu tinha que me decidir. Sugeriu que eu teria que ficar no Brasil por uns 4 meses. Eu ainda brinquei com ele: “Ah! Depois que nós chegarmos do culto, marcamos a data”. Ele queria que eu viesse descansar. Fomos para o culto, ele ministrou sobre alguns aspectos da graça de Deus na vida da mulher pecadora. Ao término da pregação, ele me pediu que eu orasse. Como os conflitos no Timor são constantes, eu voltei a palavra para ele. Eu lhe disse: “Edgar, você poderia orar. Ore pela paz no Timor”. Ele começou a orar e na primeira parte da oração ele disse: “Senhor, que eu seja um objeto dessa paz, que eu seja o objeto que o Senhor vai usar para trazer paz ao Timor-Leste”.
Este momento marcou a minha vida, percebi que orava com muita sabedoria e muita intimidade com Deus. Eu tenho certeza de que Deus ouviu aquela oração. Nós saímos do culto por volta das 20h45 e o Edgar mudou a rota para dar carona a um irmão. Voltamos por uma rua que não era comum passarmos por ela. Eu me recordo que quando entrarmos nessa rua o Edgar estava sorrindo. Eu não quis perguntar o motivo do sorriso. Quando chegamos à esquina, não vimos ninguém, pois estava escuro e as casas são distantes e espaçadas. Em determinado momento, um grupo de pessoas atacou o carro com muitas pedras. Esse grupo estava preparado para atacar, não a nós, isso ficou muito claro, pois ali não era o nosso caminho, nós nunca passávamos por aquela rua voltando do culto. Eles estavam tendo conflitos com a polícia. A polícia havia deixado aquele lugar uns 15 minutos antes de tudo acontecer. E eles estavam atacando as pessoas que por ali passassem. Quando passamos, eles nos atacaram. Negociar com eles naquele momento era impossível porque não havia diálogo em meio aos gritos e pedradas. Além de mim e do Edgar, havia três crianças no carro com 9, 10 e 12 anos de idade que moram no nosso projeto. A única pessoa que não foi ferida, não falo de alma, mas de corpo físico, fui eu. Mas as crianças ficaram feridas. Edgar tentou conversar com eles, mas eles não aceitaram nenhuma conversa. Ele tentou arrancar o carro e foi ferido com uma lança no pescoço. Ele falou comigo: “'Sama', eu estou ferido”. Foi só isso que ele falou comigo e, mesmo assim, conseguiu tirar o carro de lá. Se ele não tirasse o carro, não sei o que aconteceria conosco. O carro começou a andar, mas ele desmaiou momentos depois ao volante. Eu não dirijo, por isso pulei do carro e comecei a gritar. E o carro continuava andando. E o pior é que no momento que você está nervosa, você não consegue falar a língua do local, mas sim a sua língua pátria, normalmente é assim. Eu vi o carro descendo a rua, pedia socorro. Foi então que dobrei os meus joelhos na rua e pedi a Deus que aquele carro parasse. E o carro imediatamente parou. Eu creio que o anjo do Senhor parou aquele carro. Porque a rua era sem saída e certamente o carro iria bater nas casas. E como as crianças estavam atrás, uma outra tragédia poderia acontecer. Nessa rua moram alguns missionários que nos ajudaram. Eles pegaram o carro, levaram o Edgar para o hospital. Voltar para o hospital foi impossível porque a rua do hospital estava bloqueada. Ninguém podia passar. Eu vejo que até nisso Deus... (um breve suspiro). Interessante é que o tempo em que eu estive no Timor, era comum as pessoas me ligarem dizendo que alguém estava doente. Eu buscava essa pessoa e a levava ao hospital. O maior testemunho que eu daria quando chegasse ao Brasil, é que todas aquelas pessoas em que eu coloquei a mão, ninguém morrera. Outra coisa também muito interessante é que, além de ninguém morrer, eu havia criado um vínculo de amizade muito grande naquele hospital. Eu conhecia muitas pessoas daquele hospital, pois eu estava sempre ali. E justamente a estrada estava bloqueada e ele não pôde ser atendido no hospital. Na hora dele, a porta estava fechada... Eu me lembro de algo que o Edgar sempre me falava: “Ninguém pode impedir a vontade de Deus”. Era Deus se firmando como soberano. Não tinha oração, não tinha nada, era a vontade de Deus que tinha de ser cumprida naquele momento por um motivo que só Ele sabe.
Nesse tempo trabalhando junto ao seu irmão, você deve ter presenciado momentos curiosos dele. Conte-nos um.
Elisama: Um dos fatos que mais me marcou, foi um que aconteceu antes de sua morte. A casa do nosso projeto é muito grande. Lá nós temos uma sala grande onde sempre recebemos as pessoas que chegam doentes de outros lugares para se tratarem. Edgar colocou no coração que ele iria dividir aquela sala e fazer um quarto para receber aquelas pessoas. Só que nós passávamos por um momento financeiro difícil. E eu disse para ele que não dava para construirmos um quarto, pois não podíamos gastar. Mas ele disse: “Vamos fazer um quarto do 'Bom Samaritano', vamos dividir isso aqui...”. Eu saí para trabalhar e quando cheguei as madeiras já estavam todas lá, inclusive a pessoa que iria fazer o serviço também. Eu perguntei: “Edgar, você vai fazer isso com que dinheiro?”. Ele era desprendido das coisas materiais, ele não tinha vaidades. Nós ganhamos passagens para passar as férias na Indonésia. Ele tinha gasto a passagem dele (aproximadamente R$ 500,00) para comprar uniforme para as crianças da escola que ele dirigia em Viqueque. Com a minha passagem ele comprou o material para o quarto do “Bom Samaritano”, segundo ele, nós precisávamos era de fazer o bem. Nos últimos 15 dias de sua vida, Edgar fez este quarto para receber as pessoas. O que mais me marca não é o fato dele ter construído este quarto, mas é a forma como ele fez. Com o único recurso que tinha. Não era um recurso para o projeto. Era um presente nosso. É o desprendimento, o amor, acima de tudo, que deixa marcas para a minha vida.
Como ocorreu o chamado de vocês para o Timor?
Elisama: O chamado ao Timor ocorreu primeiramente para ele. Em 1999, ele leu sobre a guerra no Timor, sobre os conflitos lá. Nós crescemos envolvidos com Missões, nós crescemos realizando Missões juntos com o meu pai e a minha mãe. Em 1999, ele sentiu que ele iria para o Timor. E no começo de 2003, é que veio para mim o desejo de ir para lá também. Ele até brincou comigo: “Nossa, eu é que tenho o chamado para o Timor e é você quem vai primeiro?”. Eu creio que Deus me levou ao Timor-Leste porque eu precisava abrir a porta para que o Edgar entrasse naquele país. Depois de um ano e meio que eu já estava lá, ele foi.
Quais sãos os projetos realizados por vocês no Timor e quais as maiores dificuldades que vocês encontraram na realização do trabalho?
Elisama: No início, a maior dificuldade foi a falta de recursos, pois havia muita coisa para se fazer. Uma outra dificuldade também, é que em 2006 os conflitos foram intensos naquele país. Praticamente passamos o ano todo correndo de um lado a outro. Para se ter uma idéia, algumas vezes saíamos de casa, depois voltávamos novamente; outras vezes íamos para o hotel e na insegurança nos dirigíamos para a casa de um colega, dormíamos ali e assim acontecia. Algumas vezes trabalhávamos nos campos de refugiados, atendendo na área da saúde. Construímos o projeto “Casa Lar” que acolhe e trabalha na recuperação de crianças e adolescentes órfãos ou que sofreram traumas ou com problemas mentais. A casa também recebe pessoas doentes que vêm a Dili para tratamento e que ficam hospedadas no espaço “Bom Samaritano”. Nesta casa temos um trabalho de alfabetização informal e cristã. Além deste projeto, tem um na área da saúde que atende também pessoas com problemas mentais e também um projeto de uma clínica cuja construção já está sendo realizada. Temos o projeto da pré-escola em Viqueque – Buikarem em que alfabetizamos e fornecemos alimentação a todos os cerca de 70 alunos, um projeto de discipulado com timorenses e pessoas de culturas diferentes participando. Nós nos reunimos e realizamos cultos nas línguas espanhol e tétum (idioma timorense). Muitas pessoas se converteram por meio destes cultos.
Qual é o seu maior sonho em relação à Missões? Você vai voltar ao Timor?
Elisama: Sim. Porque eu coloquei uma vírgula e não um ponto final no Timor. Na nossa vida não é bom deixarmos uma vírgula em nada. Não é bom para mim, não é bom para as pessoas, porque elas não vão entender que amor é esse que eu pregava lá. A minha resistência, a minha preparação para o que aconteceu é uma. Mas para as pessoas que conviviam comigo, que estavam sendo discipulados, que estavam juntos na caminhada, é outra. Para mim, aquele que ama ao Senhor a primeira coisa que ele deve fazer é viver Cristo no meio do povo. Esse é o nosso papel. Eu tenho que voltar lá para explicar para eles, para esclarecer as coisas. Eles precisam entender que o que aconteceu não muda nada na forma de nós os amarmos. Nós continuamos a ver o amor de Deus da mesma forma. Se eu recuar agora, vou deixar muitas interrogações na cabeça deles. Quero voltar não no sentido de dar uma satisfação a eles, mas no sentido de terminar algo que eu pregava e que eu tinha convicção que Deus tinha me levado ali para isso. Trabalhei esse tempo todo no Timor com o objetivo de levar os timorenses a amarem Deus. Eu sempre percebi que o amor ao próximo era pouco, que as pessoas não eram muito levadas a ajudar ao próximo. Levei muito tempo trabalhando na parábola do “Bom Samaritano” no Timor. Um dos textos que mais preguei no Timor foi esta parábola. Seja ela em pregação, ou com a minha própria vida. Quando pisar no Timor, eu estarei dando vida a esta mensagem que talvez não tenha sido compreendida por muitos ainda, mas ela vai se tornar realidade quando eu voltar. Para eles, vai ser muito mais compreensível agora, depois de tudo o que aconteceu. Chegar lá e continuar sorrindo, continuar amando, continuar ajudando. Quando retornava ao Brasil, no aeroporto, eu recebi vários bilhetinhos de pessoas me pedindo perdão: “Nos perdoe, pois o nosso povo é ingrato”. Eu quero falar para eles que eles não são ingratos. O amor que eu tinha por eles, eu continuo tendo do mesmo jeito. Voltar é muito importante, talvez não por um período longo, pois eu tenho outros desafios missionários. Mas eu tenho que pisar naquela terra novamente.
O que tem sido feito no tocante à segurança dos missionários ali no Timor-Leste?
Elisama: A instabilidade ainda está acontecendo no Timor. O Timor hoje é um país instável. Cada missionário, cada agência tem tentado se proteger. Acho praticamente impossível fazer algo coletivo, principalmente, porque cada um está num lugar. E a força internacional é limitada pelo próprio país. Cabe, então, à Igreja brasileira está na retaguarda em oração, pedindo cobertura para todos os missionários que estão no Timor e em outros países em conflito. O certo é que o medo não pode tomar conta. Temos que crer na soberania de Deus. O que acontece em nossa vida tem a permissão de Deus. Todos os missionários que estão no Timor apóiam o fortalecimento e organização do Estado e a consolidação da democracia.
Deixe uma mensagem a todos a respeito de Missões.
Elisama: Nós, que bebemos as águas da salvação, nos tornemos canais para que esta Água Viva possa jorrar onde há deserto. Que venhamos abrir os nossos corações para o desabrochar de um amor muito grande, de forma que o espírito santo desperte em nos sensibilidade espiritual para entendermos o Coração de Deus. Que possamos nos posicionar em amor com total desprendimento para fazermos diferença no mundo. O mundo precisa de homens e mulheres com as características de Cristo, que tenham o Espírito Santo de Deus em suas vidas. Que eu e você sejamos oferta voluntária diante de Deus para algo poderoso: vivermos o verdadeiro Evangelho entre os que ainda não o conhecem de maneira simples, íntegra e piedosa para mudar histórias de vidas e povos no amor de Cristo Jesus (2 Timóteo 2.2-3).
Fonte da entrevista: Lagoinha.com
...Não importa o que vai acontecer, ame as almas e ajude! leve a palavra do Senhor, nem que seja ai perto da sua casa, no seu bairro, mas vá! Deus conta com você.

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